Publicado em: 13/07/2020 19:25:38
Coluna publicada no site Expressão Rondônia apresenta informações inconsistentes para fundamentar decisão do governo estadual contra a Covid-19
por DIOGO MARQUES
A coluna Opinião de Primeira, de Sérgio Pires, publicada no site Expressão Rondônia no último dia 5, trouxe ao conhecimento público o resultado da videoconferência realizada entre o Governo do Estado de Rondônia, a Prefeitura Municipal de Porto Velho, representantes do Cremero e empresários do Grupo Pensar Rondônia, que estabeleceu as novas medidas para tentar frear a expansão do coronavírus na capital. Em seu texto, o colunista afirma que “basicamente, o que se decidiu foi adotar o protocolo do Amapá, um estado que tem apenas 10 leitos de UTI e, hoje [dia 5], nenhum deles ocupados”. Para completar, ele ainda traz a informação de que aquele estado adotou o tratamento precoce, que consiste na prescrição de um kit contendo Hidroxicloroquina, Azitromicina, Ivermectina e Dipirona, já nos primeiros sinais da doença. Sua coluna estende em outros assuntos, mas a ARUANA decidiu checar as informações referentes aos novos (ou nem tão novos assim) protocolos para combater o vírus no epicentro da pandemia no estado.
#Vacilou
A fim de alcançar nosso objetivo, consultamos o site do Governo do Estado do Amapá e os documentos públicos abertos à consulta. Em geral, as páginas eletrônicas administradas pelos estados possuem uma seção especial para manter transparentes todos os assuntos atinentes à Covid-19 e, via de regra, todos fornecem as mesmas informações. É o caso dos números de leitos de UTI e clínicos ativos, ocupados, bloqueados ou contingenciados, tanto na rede hospitalar pública, quanto na privada. ARUANA teve acesso aos números do Amapá desde o início da pandemia. Depois disso, fomos atrás do protocolo firmado pelas autoridades daquele estado, para confirmar a informação da indicação do protocolo divulgada pela coluna de Sérgio Pires.
Em primeiro lugar, o boletim informativo do dia 4 de julho, na seção referente às internações, publicou que “entre os casos confirmados, 94 estão no sistema público (39 em leito de UTI /55 em leito clínico) e 20 estão na rede particular (14 em leito de UTI /6 em leito clínico). Já entre os casos suspeitos, 15 estão no sistema público (0 em leito de UTI /15 em leito clínico), e 38 estão na rede particular (0 em leito de UTI /38 em leito clínico)”. Acreditamos que o colunista tenha usado essa fonte para a elaboração do seu artigo. No entanto, como o texto foi publicado no dia 5, resolvemos também conferir os números do boletim informativo dessa data. Assim, o documento oficializou os seguintes números: “Entre os casos confirmados, 92 estão no sistema público (34 em leito de UTI /58 em leito clínico) e 19 estão na rede particular (14 em leito de UTI /5 em leito clínico). Já entre os casos suspeitos, 15 estão no sistema público (0 em leito de UTI /15 em leito clínico), e 34 estão na rede particular (0 em leito de UTI /34 em leito clínico). Observe que do dia 4 para 5 houve uma redução dos casos confirmados (de 94 para 92), sendo que, no dia 4, 39 pessoas estavam internadas em leitos de UTI da rede pública e 14 na particular. No dia 5, havia 34 pacientes nas UTIs da rede pública e os mesmos 14 do dia anterior na rede particular. Com esses dados, percebe-se que o Amapá não possui somente 10 leitos de UTI (nem na rede pública, nem na particular), tampouco não possui nenhum desse leitos ocupados. Além disso, o Painel Coronavírus, administrado pelo estado, deixa bem claro que em nenhum momento durante os registros da série histórica naquela localidade houve situação em que a taxa de ocupação dos leitos chegaram a 0%, embora esses números estejam em uma linha decrescente.
Fonte: Painel Coronavírus, disponível em <<http://painel.corona.ap.gov.br/leitos/>>acessado em 09/07/2020, às 13h15.
Taxa de Ocupação Operacional=(Número de Leitos ocupados + Número de Leitos bloqueados)/Número de Leitos ativos
O segundo ponto checado por ARUANA foi o protocolo, supostamente adotado pelo estado do Amapá. Durante a busca pelos elementos que poderiam confirmar a informação, não encontramos documentos oficiais que preveem o uso do kit com os medicamentos mencionados pela coluna do site Expressão Rondônia. No entanto, uma matéria do G1, de 15 de maio, já indicava a orientação do governo do estado para a prescrição da cloroquina no tratamento precoce da doença: “Para os casos com quadro leve, a recomendação é hidroxicloroquina, difosfato de cloroquina associada a azitromicina e a associação, ou não, a algum outro antiviral, que pode ser a ivermectina e nitazoxanida”, publicou o site. Não se trata, portanto, da distribuição de kits, mas sim de uma livre prescrição médica de um mais desses medicamentos, a depender da avaliação profissional. Conforme apuramos, existem outras ações que se assemelham entre aquelas promovidas pelos governos dos dois estados, como as atividades tipo drive-thru. Em ambos os casos, e respeitando as especificidades de cada localidade, a finalidade é realizar testes rápidos ou distribuir medicamentos, com vistas a atender ao tratamento precoce institucionalizado, ainda que seja duvidoso o fornecimento de medicamentos sem a confirmação em exame laboratorial que confirme a doença, haja vista que os testes rápidos possuem uma frequente margem de erro, se não for realizado em um determinado período desde o aparecimento dos sintomas. Além disso, existe a discussão sobre a eficácia do kit, principalmente no que diz respeito à hidroxicloroquina.
Em que pese as mudanças de posicionamentos das autoridades de saúde, dentre elas a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Conselho Federal de Medicina, em relação ao uso desse medicamento para a melhora ou a não-evolução para casos mais graves da Covid-19 e, ainda, as pesquisas inconclusivas sobre sua eficácia, o Ministério da Saúde alterou o protocolo, autorizando o uso da hidroxicloroquina com o consentimento do paciente. Alguns estudos influenciaram as decisões daquelas autoridades e a prescrição da droga ainda é pauta de muitas discussões. Recentemente, a revista The Lancet publicou um artigo que divulgava o resultado de um estudo em particular que afirmava que a hidroxicloroquina não era recomendada para os casos de Covid-19 e ainda poderia colaborar para o agravamento da doença. Esse artigo obrigou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a rever a indicação da prescrição e pesquisas relativas ao remédio. Algum tempo depois, houve uma auditoria no estudo divulgado, em que constatou-se graves equívocos. Por meio da revista científica The Lancet, os pesquisadores reconheceram o erro, fazendo com que a OMS voltasse a permitir estudos com a droga. Mais recentemente, a revista Science News publicou um artigo em que afirmava, através de novas metodologias de pesquisa, que o medicamento pode, talvez, ajudar os pacientes nas fases iniciais da Covid-19, a despeito de toda a discussão política em torno da sua utilização clínica. Ainda assim, a comunidade científica não pacificou um entendimento acerca do uso para evitar ou combater o coronavírus e os possíveis efeitos colaterais que podem ser apresentados após a administração da cloroquina nos pacientes infectados.
Por último, a ARUANA apurou que não há presença de dados suficientes que possam corroborar com as afirmações da apresentadas na coluna Opinião de Primeira, de Sérgio Pires, a respeito da quantidade de leitos de UTI existentes no Amapá, além do protocolo que, supostamente, foi usado como referência para a tomada de decisão do Governo de Rondônia para iniciar uma nova fase do combate ao coronavírus na capital Porto Velho.
Fonte: ARUANA